Figura 1: drogas psicoativas. Fonte: http://portal.anvisa.gov.br
Atualmente, a busca por um estímulo externo que dê um pause na procrastinação e um “up” de motivação, atenção e concentração, além de um alívio do estresse e um melhor desempenho, vem crescendo, principalmente no meio acadêmico. Uma gama de substâncias psicotrópicas lícitas e ilícitas tem sido utilizadas. Principalmente, as chamadas “drogas inteligentes” (Zaria Gorvett, 2018). Este é um fator preocupante, já que essas drogas têm um potencial de causar dependência física e psicológica (viciar), e o uso é reconhecido como problema de saúde pública mundial (Fernandes et al., 2017).
Definição
O termo droga refere-se também a medicamentos (GÓIS e AMARAL, 2009), portanto, drogas psicotrópicas, psicoativas ou psicofármacos são medicamentos ou substâncias que atuam no sistema nervoso central (SNC), capazes de modificar suas funções, produzindo euforia ou alterando estados de consciência (Fernandes et al., 2017). Essa categoria de medicamento, pode aumentar ou diminuir o estado de alerta, energia, motivação, além de possuir propriedades de melhora do humor, desempenho cognitivo e aumento ou diminuição das funções mentais como: memória, atenção, concentração e vigília (Morgan, et al., 2017).
Inclusive, algumas dessas substâncias podem ser utilizadas no tratamento de doenças e distúrbios como TDAH, narcolepsia, apneia obstrutiva do sono, entre outras (Morgan, et al., 2017). Porém, muitos estudantes têm feito uso indevido dessas substâncias.
Classificação
As drogas psicotrópicas podem ser classificadas em três grupos, de acordo com a atividade que exercem junto ao nosso cérebro:
1. Depressores da atividade do SNC (psicolépticos) (Fonte: Unifesp, 2020. Acesso em: 04 de set. de 2020):
Grupo de substâncias que diminuem a atividade do Sistema Nervoso Central, que passa a funcionar mais lentamente, ou seja, deprimem o seu funcionamento, fazendo com que a pessoa fique “desligada”, devagar (Gualberto, et al., 2015), com sonolência, lentificação psicomotora, relaxada, além de dificultar o processo de aprendizagem e memória. Algumas dessas substâncias como medicamentos são úteis para pessoas com epilepsia, insônia, ansiedade, ou seja, com o SNC funcionando acima do normal. Depressores atuam por exemplo no sistema glutamatérgico e no sistema de neurotransmissão gabaérgico (como os benzodiazepínicos), facilitando a ação do GABA (neurotransmissor inibitório), acentuando processos inibitórios do SNC, levando a esses efeitos depressores e consequente redução do estado de alerta (Carlini, et al., 2001).
2. Estimulantes da atividade do SNC (psicoanalépticos, noanalépticos, timolépticos, etc) (Fonte: Unifesp, 2020. Acesso em: 04 de set. de 2020):
Atuam por aumentar a atividade do nosso cérebro, ou seja, estimulam o funcionamento, fazendo com que o usuário da substância fique “ligado”, “elétrico”, sem sono, por isso o nome – estimulantes (UNIFESP, 2020). Embora os mecanismos de ação possam variar, os psicoestimulantes atuam direta ou indiretamente através da dopamina (neurotransmissor), que está relacionada a recompensa, motivação, atenção e excitação (Morgan, et al., 2017) e também da noradrenalina (neurotransmissor excitatório). Então, tanto a cafeína (que tem efeitos suaves), quanto a cocaína (que é muitíssimo potente), são considerados drogas psicoestimulantes.
3. Perturbadores da atividade do SNC (psicoticomiméticos, psicodélicos, alucinógenos, psicometamórficos, etc) (Fonte: Unifesp, 2020. Acesso em: 04 de set. de 2020):
Já este grupo, modifica qualitativamente a atividade do cérebro. Ou seja, perturbam, distorcem o seu funcionamento, fazendo com que a pessoa passe a perceber as coisas deformadas, parecidas com as imagens dos sonhos (IMESC, 2020). Além de ter delírios, ilusões e alucinações, por isso são drogas que mimetizam psicoses (psicomiméticas). Agem por exemplo, bloqueando/inibindo os efeitos da acetilcolina (neurotransmissor excitatório e inibitório que atua no sistema colinérgico), como os anticolinérgicos (Carlini, et al., 2001).
Exemplos – Principais Drogas Psicotrópicas:
Figura 2: DEPRESSORES (A) opiáceos; (B) álcool; (C) inalantes; (D) benzodiazepínicos e barbitúricos; PERTUBADORES: (E) mescalina; (F) maconha (THC); (G) ácido lisérgico (LSD), (H) anticolinérgicos; ESTIMULANTES: (I) cocaína; (J) anfetamina e derivados; (K) nicotina e (L) cafeína. Fonte: https://canal.cecierj.edu.br/122016/bf9e65c36fee0e9c603ad09a09ab73f1.pdf
1- Depressores da Atividade do SNC
Álcool (em doses maiores);
Soníferos ou hipnóticos (drogas que promovem o sono): como barbitúricos, entre outros;
Ansiolíticos (acalmam; inibem a ansiedade) como os benzodiazepínicos. Ex.: diazepam, lorazepam, entre outros;
Opiáceos ou narcóticos (aliviam a dor e dão sonolência). Ex.: morfina, heroína, codeína, meperidina, etc;
Inalantes ou solventes (colas, tintas, removedores, etc).
(Unifesp, 2020. Acesso em: 04 de set. de 2020).
2- Estimulantes da Atividade do SNC
Anorexígenos (diminuem a fome). principais drogas pertencentes a essa classificação são as anfetaminas. Ex.: dietilpropiona, femproporex, cloridrato de metilfenidato, etc;
Cocaína;
Crack;
Nicotina;
Cafeína.
(Unifesp, 2020. Acesso em: 04 de set. de 2020).
3- Perturbadores da Atividade do SNC
– Exemplos de Perturbadores de origem vegetal:
Mescalina (do cacto mexicano);
THC – tetra-hidrocarbinol ou tetra-hidro-canabinol (subst. psicoativa da planta Cannabis Sativa – maconha);
Psilocibina (de certos cogumelos);
Lírio (plantas trombeteira, zabumba ou saia branca)
(Unifesp, 2020. Acesso em: 04 de set. de 2020).
– Exemplos de Perturbadores de origem sintética:
LSD-25 (alucinógeno);
Ecstasy (metilenodioximetanfetamina);
Anticolinérgicos (Artane® , Bentyl®).
(Unifesp, 2020. Acesso em: 04 de set. de 2020).
Porém, como dito na introdução, as drogas psicotrópicas mais utilizadas por acadêmicos são as psicoestimulantes. Como exemplo a ritalina (metilfenidato), que faz parte do grupo de drogas psicoestimulantes, que entrarão em destaque a seguir.
Mecanismo de ação das drogas psicoestimulantes
Figura 3: Neurônios dopaminérgicos (em azul) e as células nervosas receptoras de dopamina (em verde). Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/biologia/dopamina.htm
Os mecanismos de ação das drogas psicotrópicas não são totalmente precisos, mas já foi descoberto que as drogas psicoestimulantes produzem seus efeitos aumentando a neurotransmissão da dopamina no cérebro, especialmente nas áreas límbicas (conjunto de estruturas no encéfalo que regulam as emoções e comportamentos sociais), que são vias de recompensa, como o nucleus accumbens, que recebe impulsos dopaminérgicos da área ventral tegmental (VTA) (Peña, Gevorkiana, Shi, 2015).
Tais impulsos nervosos podem aumentar a liberação de dopamina diretamente, excitando células dopaminérgicas da via de recompensa ou inibindo algum neurônio que diminui a liberação de dopamina. Mas, dependendo da droga, algumas bloqueiam a recaptura da dopamina, aumentando sua disponibilidade na fenda sináptica (Tenório, 2016).
Os neurônios dopaminérgicos (figura 3) formam três vias principais, mas são as vias mesolímbica/mesocortical as principais envolvidas com emoções e o sistema de recompensa induzido por drogas (descrito acima), sendo mediada pela dopamina. Consiste em grupos de neurônios cujos axônios cursam para o córtex frontal e para partes do sistema límbico, as chamadas vias de recompensa (Figura 4) (Tenório, 2016).
Figura 4: Vias de recompensa. Fonte: Adaptado de http://www.virtual.epm.br/material/depquim/animacoes.htm#
Todas as drogas que geram dependência ativam essa via. Cada grupo de drogas atuam de uma forma, com mecanismos diferentes (Tenório, 2016).
A dopamina é liberada em resposta a situações que provoquem prazer. Como algumas drogas promovem uma sensação prazerosa, de felicidade e motivação (no caso das estimulantes) de uma forma mais intensa do que situações comuns da vida, estas drogas sobrepõem os neurotransmissores próprios do cérebro.
A recompensa produzida pela droga produz um suprimento de dopamina intenso e os nossos receptores passam a necessitar de maneira absurda de mais dopamina, depois que o efeito passa, força o indivíduo a buscar mais droga, e desse modo, dar início a um círculo vicioso (Tenório, 2016).
Figura 5: Diferença na quantidade de sinapses em um cérebro em estado normal e sob o efeito de drogas. À esquerda vemos sinapse em estado normal, com sinal normal, e à direita sinapse sob o efeito das drogas, com sinal aumentado. Fonte: http://www.estimulacaoneurologica.com.br/servico/160/estimulacao-medicamentosa-cerebral-e-perfil-genetico-neurofarmacologico.html
Ritalina (metilfenidato)
A Ritalina é um fármaco estimulante do SNC, da família das anfetaminas, cujo princípio ativo é o metilfenidato. É o psicoestimulante mais consumido no mundo segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) (Andrade et al., 2018), com o Brasil ocupando o 2°lugar no consumo, segundo o Ministério da Saúde.
É um medicamento de uso controlado (sob prescrição médica), mas também vendido de forma ilegal, e bastante indicado para crianças ou adultos com TDAH (Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade). Porém, tem sido muito utilizado não só por universitários, mas também por estudantes que tentam aprovação em concursos e Enem, para aumentar o desempenho e “turbinar” o cérebro, ou seja, ter um nível de atenção e aprendizado maior que o normal (Andrade et al., 2018).
Figura 7: Exame de neuroimagem. Fonte: file:///C:/Users/Positivo/Downloads/8810-42408-1-PB%20(4).pdf
Tem o mesmo mecanismo que a cocaína (divergindo apenas na durabilidade de ação). Na figura 7, pode-se observar um exame de neuroimagem, o metilfenidato em comparação a cocaína, comprovando que ambos agem nas mesmas áreas do cérebro.
E esse mecanismo (figura 8) consiste na inibição da recaptação de dopamina e noradrenalina (pois inibe o transportador de dopamina) (Andrade et al., 2018). Portanto, bloqueia os recaptadores, impede a reabsorção da dopamina liberada, aumentando sua concentração na fenda sináptica e intensificando o efeito sobre a célula pós-sináptica, o que eleva a sensação de prazer, motivação, concentração, por um tempo mais prolongado (Tenório, 2016).
Figura 8: mecanismo de ação simplificado do metilfenidato.
Fonte: http://www.atenas.edu.br/uniatenas/assets/files/magazines/RITALINA_consequencias_pelo_uso_abusivo_e_orientacoes_de_uso.pdf
O fato é que em pessoas saudáveis, seus efeitos não são benéficos e leva a um desequilíbrio neurológico. De acordo com pesquisas feitas pelo United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), nas quais anfetaminas foram administradas a pessoas saudáveis, foram observadas anormalidades na atividade cerebral associadas a neuroquímicos (monoaminas), e esse desequilíbrio está associado a distúrbios emocionais e doenças mentais, como a depressão ou dependência química, além de alterações no comportamento (Andrade et al., 2018).
P ortanto, este fármaco pode causar dependência física e psicológica, e com a interrupção de seu uso pode desencadear uma síndrome de abstinência, além de insônia ou sonolência, piora na atenção, cognição, surtos psicóticos, alucinações, acatisia (transtorno do movimento), alteração do humor e em casos mais graves o suicídio (Andrade et al., 2018).
De acordo com Food and Drug Administration (FDA), há outros sintomas como cefaleia, tontura e efeito zombie like (a pessoa fica quimicamente contida em si mesma). Ou seja, esta droga psicotrópica parece prometer um melhor desempenho, mas na verdade, ameaça não só a inteligência do indivíduo, como sua saúde e bem-estar.
Concluindo…
Assim, é importante realizar um diagnóstico das instituições educacionais para que se implementem medidas preventivas, evitando assim que muitos estudantes virem refém, seja da Ritalina ou de outras drogas psicotrópicas como mostramos nesse artigo (Morgan, et al., 2017).
Por Talita Alves, Graduanda em Farmácia pela UFRJ.
Bibliografia:
TENÓRIO, Frank. Instrumentação em farmacodependência. V. único. / Rio de Janeiro : Fundação Cecierj, 2016. Link: https://canal.cecierj.edu.br/122016/bf9e65c36fee0e9c603ad09a09ab73f1.pdf
OLASHORE, Anthony A.; OGUNWOBI, Olorunfemi; TOTEGO, Eden; OPONDO, Philip R. Uso de substâncias psicoativas entre alunos do primeiro ano em uma universidade de Botswana: padrão e correlatos demográficos, 2018. BMC PSYCHIATRY. Link: https://bmcpsychiatry.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12888-018-1844-2
GARDENAL, Isabel. A ritalina e os riscos de um ‘genocídio do futuro’, 2013. UNICAMP. Link: https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/08/05/ritalina-e-os-riscos-de-um-genocidio-do-futuro
JUSTO, José Maria. O consumo de substâncias psicoativas por estudantes do ensino superior: quais fatores estão associados a essa prática? – 2018, UFES.Link: https://repositorio.ufes.br/bitstream/10/10152/1/tese_12480_Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Finalizada%20I%20justo.pdf
GORVETT, Zaria. Quais são as ‘drogas da inteligência’ e o que aconteceria se todos recorressem a elas para ‘turbinar’ o cérebro, 2018. BBC NEWS. Link: https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-46202403
ANDRADE, Luana da Silva; GOMES, Ana Paula; NUNES, Anna Beatriz; RODRIGUES, Naomi Souza; LEMOS, Otavio; RIGUEIRAS, Pietra Orlandi; NEVES, Raissa Ramos; SOARES, Wiliam Felipe da Silva; FARIAS, Luciana Ramalho. Ritalina uma droga que ameaça a inteligência, 2018. Revista de Medicina e Saúde de Brasília. Link: file:///C:/Users/Positivo/Downloads/8810-42408-1-PB.pdf
UNIFESP – CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas psicotrópicas). O que são drogas psicotrópicas. São Paulo, 2020. Link: https://www2.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/folhetos/drogas_.htm
FERNANDES, Thaís Ferraz; MONTEIRO, Brisa Marina de Meireles; SILVA, Júlia Brighenti Menezes; OLIVEIRA, Kênia Marice de; VIANA, Nájila Áelida Oliveira; GAMA, Carlos Alberto Pegolo; GUIMARÃES, Denise Alves. Uso de substâncias Psicoativas entre universitários barsileiros: perfil epidemiológico, contextos de uso e limitações metodológicas dos estudos. CADERNOS SAÚDE COLETIVA. V. 25, N. 4. RJ, 2017. Link: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-462X2017000400498&lang=pt
MORGAN, Henri L.; PETRY, Arthur F.; LICKS, Pedro A. K.; BALLESTER, Arthur O.; TEIXEIRA, Kellwin N.; DUMITH, Samuel C. Consumo de estimulantes cerebrais por estudantes de medicina de uma universidade do extremo sul do Brasil: prevalência, motivação e efeitos percebidos. Rev. Bras. Educ. Médica. V. 41, N. 01. RJ, 2017. Link: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-55022017000100102&lng=pt&tlng=pt
GUALBERTO, Flaziany; SANTOS, Gilmara; CHAVES, Iasmin; MENESES, Jamile; NOGUEIRA, Manuela; SANTOS, Thaynná (Docente Profª. Mariana Rios). Drogas que deprimem o SNC, 2015. Link: https://pt.slideshare.net/iasminalmeida98837/drogas-que-deprimem-o-snc-55947376
IMESC – Instituto de Medicina Social e de Criminologia. Classificação das drogas. SP, 2020. Link: https://imesc.sp.gov.br/index.php/classificacao-das-drogas/#:~:text=Os%20Perturbadores%20da%20Atividade%20do,com%20as%20imagens%20dos%20sonhos
PEÑA, Ike Dela; GEVORKIANA, Ruzanna; SHI, Wei- Xing. Os psicoestimulantes afetam a transmissão da dopamina por meio de mecanismos independentes e dependentes do transportador de dopamina, 2015. European Journal of Pharmacology. V. 764, Págs. 562- 570. Link: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0014299915301709
EDUCA MAIS BRASIL. Falta Ritalina nas farmácias, 2018. Link: https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/noticias/falta-ritalina-nas-farmacias
CARLINI, Elisaldo Araujo; NAPO, Solange Aparecida; GALDURÓZ, José Carlos Fernandes; NOTO, Ana Regina. Drogas Psicotrópicas – O que são e como agem. Rev. IMESC, N. 3, pág. 9-35, 2001. Link: http://www.gruponitro.com.br/atendimento-a-profissionais/%23/pdfs/artigos/multidisciplinares/efeito_das_drogas_psicotropicas_no_snc.pdf
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