O QUE É?
A Terapia Celular CAR-T é uma imunoterapia, ou seja, aproveita a capacidade do nosso sistema imunológico (sistema de defesa do nosso corpo) para tratamentos contra tumores líquidos, um certo tipo de Câncer. O termo “célula CAR-T” significa “célula T com receptor de antígeno quimérico ou CAR”, pois esse método utiliza células T (linfócitos do tipo T; figura 1), um tipo de glóbulo branco responsável pela defesa do nosso organismo, modificadas geneticamente. Essas células especializadas T e as B (responsável por produzir anticorpos) compõem nosso sistema imune. Esta Terapia foi desenvolvida graças as pesquisas de James Alisson e Tasuku Honjo, ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina 2018.
Figura 1: Linfócitos T – Créditos: USP Imagens (Wikimedia/National Cancer Institute)
COMO FUNCIONA?
Em uma amostra de sangue retirada do paciente por leucoferese (método onde através de um equipamento se remove as Células T ou Células Brancas do sangue), os linfócitos T extraídos são modificados geneticamente, através da introdução de um vetor (vírus sintético que carrega no DNA a habilidade de reconhecer determinadas substâncias de interesse e desencadear a produção de anticorpos) dentro da Célula. Com isso, os linfócitos T ganham um receptor (uma proteína) a qual consegue reconhecer o alvo terapêutico, por exemplo, o antígeno na superfície da célula cancerígena. Após a modificação genética das célula T, elas são cultivadas em laboratório para aumentar a quantidade (expansão da cultura in vitro), injetadas no paciente e o resultado é uma reação inflamatória. Este quadro inflamatório é um bom sinal, pois demonstra que os linfócitos estão induzindo a liberação de substâncias pró-inflamatórias (citocinas), que ocasionarão na destruição completa das células malignas (figura 2).
Figura 2: Tratamento com células CAR-T – Créditos: FAPESP.
Figura 3: moléculas CAR (azul claro) se ligam às moléculas CD19 em uma célula cancerígena, levando à segregação das vesículas de granzimas (amarelas) que ativam a apoptose (morte celular das células malignas) – Créditos: Institute La Jolla de Imunologia.
PRÊMIO NOBEL DE MEDICINA/FISIOLOGIA 2018
Como já comentado acima, os ganhadores James Alisson e Tasuku Honjo, desenvolveram pesquisas com sucesso, a respeito de duas proteínas produzidas por tumores: CTLA4 e PD1, denominadas de “checkpoints” que paralisam o sistema imune do paciente, pois bloqueiam os linfócitos T (as células mais importantes do sistema imune) as quais atacariam o tumor. Explicando mais claramente, o nosso sistema imune procura e destrói as células mutadas (diferentes geneticamente), mas elas se escondem e se expandem de maneira muito eficiente (como as células cancerígenas, por exemplo) . Por isso, nessas pesquisas, esses cientistas conseguiram retirar o bloqueio e recuperar o poder de ataque dos linfócitos paralisados por essas proteínas tumorais (CTLA4 e PD1) . Através dessas pesquisas, surgiu uma nova terapia contra o câncer (Terapia Celular CAR-T). E, estão desenvolvendo também, um medicamento que interrompe o ataque do tumor, porém este ainda está em estudo. Abaixo temos o mecanismo de ação da Terapia Celular CAR- T (figura 4).
Figura 4: Mecanismo de ação Terapia Celular CAR-T. Créditos: Elsevier. Descrição: 1° quadro mostra a perturbação do eixo HVEM-BTLA no linfoma (câncer) e o 2° quadro demonstra as células CAR-T projetadas para secretar HVEM solúvel para tratamento de linfoma. O HVEM atua como estimulador do sistema imunológico.
DECIFRANDO O CÂNCER
Câncer é um conjunto de mais de 100 doenças caracterizado pelo crescimento e expansão de forma desordenada de células doentes (mutadas) que alcançam tecidos e órgãos, fazendo com que as células saudáveis se tornem doentes também. Isso acontece devido a diversos fatores. Na verdade, estamos constantemente sendo expostos a agentes agressores que podem invadir o nosso DNA, alterando de alguma forma a sua sequência, a qual nosso organismo não consegue consertar (ou seja uma mutação genética), ou então, podemos herdar mutações que nos tornam mais pré-dispostos a desenvolvermos um câncer. Essas células mutadas, geralmente, são muito agressivas, e resistentes ao tratamento como o da quimioterapia. Além disso, há uma gama de tipos diferentes de tumores dependendo do órgão e/ou tecido alcançado. Com a Terapia Celular CAR-T, novas fronteiras vão sendo alcançadas principalmente através das pesquisas científicas em andamento. Atualmente, há estudos para o desenvolvimento de outros vetores que sejam capazes de produzir proteínas marcadoras de tumores sólidos, bem como para a criação de produto que possa ser adotado pelo SUS.
Figura 5: Divisão celular da célula cancerosa – Créditos: Institutos Nacionais de Saúde.
RELATO DE CASOS
Neste presente ano de 2019, ocorreu a aplicação desta terapia no Brasil, mais precisamente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto- SP. Um paciente portador de linfoma não Hodgkin (tumor que se inicia no sistema linfático), foi tratado por esta nova terapia, sendo a proteína CD-19, o alvo terapêutico. Ele obteve permissão pelo fato de estar no quadro de “uso compassivo”, ou seja, fase terminal (não havia mais opções de tratamento para o caso dele). O resultado foi animador, pois foi curado do câncer que acometia seus linfócitos B. Foi o primeiro paciente da América Latina a ser tratado com a Terapia Celular CAR-T. Em 30 dias, ele já estava quase, completamente em remissão (curado). Assim, com suas próprias células, mas agora reprogramadas, o tratamento deste paciente obteve êxito.
Este procedimento já vem sendo comercializado pelos EUA, contra linfomas e leucemias, e agora foi desenvolvido no Brasil, dentro de um hospital universitário público. A figura 6 resume o procedimento adotado pelos pesquisadores brasileiros.
Figura 6: Evolução do tratamento do paciente.
EFEITOS COLATERAIS
Apesar dos sucessos terapêuticos, esta Terapia Celular CAR-T apresenta riscos de efeitos colaterais, tais como:
Neurotoxicidade (resultando em cefaléia, confusão, ansiedade, tremores..)
Infecções
Hipóxia
Sintomas gripais
Febre
Queda acentuada da Pressão arterial
CRS (Síndrome de Liberação de Citocinas)
Por isso, é essencial a internação do paciente em unidade intensiva de tratamento (UTI), com boas condições hospitalares e laboratoriais, com suporte intensivo.
A IMPLANTAÇÃO NO SUS
Há um projeto com vários parceiros para expandir e baratear esta Terapia, com objetivo de implementação em nosso Sistema Único de Saúde. Através do apoio da USP, Fapesp, CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e o Ministério da Saúde, será possível, que tenhamos um tratamento não só muito promissor, como também remissor e triunfante.
ANIMAÇÃO TERAPIA CELULAR CAR-T
Para complementar, assista os 2 vídeos (em animação) indicados abaixo e que mostram o alcance da Terapia CAR-T frente as células cancerígenas.
“A Look at How CAR-T Cell Therapy Works”
“Linfócitos T CAR contra o câncer | #InstanteBiotec 31”
Por Talita Alves, Graduanda em Farmácia pela UFRJ.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AMERICAN CANCER SOCIETY – CAR T Cell Therapy To Treat Cancer, 2017. Link:http://www.cancer.org/treatment/treatments-and-side-effects/treatment-types/immunotherapy/car-t-cell1.html – Acesso em: 31/10/19.
BOICE, Michael; SALLOUM, Darin; MOURCIN, Frederic; COGNÉ, Michael; TARTE, Karin; WENDEL, Hans-Guido… – Loss of the HVEM Tumor Suppressor in Lymphoma nas Restoration by Modified CAR-T Cells. CELL, 2016, V. 167, N. 2.
DUARTE – First CAR T Cell Therapy Targeting B Cell, Activating Factor Receptor Eradicates Blood Cancers. NEWS SCIENCES, Califórnia, 2019 – Link: https://www.eurekalert.org/pub_releases/2019-09/coh-fct092019.php
FAPESP – Karina Toledo. Células do próprio Paciente são Usadas em Tratamento contra o Câncer – 2019. Link: https://agência.FAPESP.br/celulas-do-proprio-paciente-sao-usadas-em-tratamento-inovador-contra-o-cancer/31656/ – Acesso em: 31/10/19.
GALILEU – Terapia contra o Câncer ganha o Prêmio Nobel de Medicina 2018 – Link:https://www.google.com/amp/s/revistagalileu.globo.com/amp/Ciencia/noticia/2018/10/terapia-contra-o-cancer-ganha-o-premio-nobel-de-medicina-2018.html. Acesso em: 31/10/19.
Lois Zoppi. Neurological Side Effects of CAR T Cell Therapy Revealed. NEWS SCIENCES, BA, 2019. Link: https://www.news-medical.net/amp/news/20190516/Neurological-Side-Effects-of-CAR-T-Cell-Therapy-Revealed.Aspx
Silvana Salles. JORNAL USP SP – Terapia Inédita na América Latina Devolve Futuro a Paciente com Câncer Terminal, SP, 2019. Link: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/terapia-inedita-na-america-latina-devolve-futuro-a-paciente-com-cancer-terminal/ – Acesso em: 31/10/19.
Yan Zhou, Ping Wen, Mingmei Li, Yaqi Li, Xião – An Li. Construction of Chimeric Antigen Receptor, Modified T Cells Targeting EpCAM and Assessment of Their Anti-tumor Effect on Cancer Cells. PubMed (Spandidos Publications) – Medicina Molecular, 2019.
Comments