O Sarampo é uma doença infecciosa aguda, viral, transmissível, contagiosa, com maior recorrência em crianças e em países subdesenvolvidos, mas atinge pessoas de qualquer idade (Figura 1). Contudo, é mais agressiva aos desnutridos, recém-nascidos, gestantes e portadores de imunodeficiências (Fiocruz, 2018). Este vírus possui oito subtipos (do A ao H), e mais de 24 genótipos, que são perfis genéticos levemente diferentes (Pinheiro, 2019).
Figura1: Vírus do Sarampo em 3D. Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-50258441
O sarampo é uma das principais causas de mortalidade em crianças menores de cinco anos (Costa et al., 2020). No ano de 2019, houve um aumento de 300% no número de casos de sarampo no mundo, comparado ao ano de 2018 (Organização Pan-americana da Saúde, 2019).
Agente causador
O agente causador é o vírus com invólucro de ácido ribonucleico (RNA) de cadeia simples, polaridade negativa, pertencente ao gênero Morbillivirus, da família Paramyxoviridae (Palminha P; et al., 2015). A Figura 2 mostra a estrutura do vírus.
Figura 2: Estrutura do vírus do sarampo.
Fonte: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/196243/Sarampo_diagnostico_precoce_e_cobertura_vacinal.pdf?sequence=2&isAllowed=y
Patogênese
Este vírus tem uma alta capacidade de utilizar vários receptores para infectar diferentes tipos de células, como exemplo: as células do trato respiratório, células dos tecidos linfóides, células do trato gastrointestinal e células da pele, e em diferentes fases da doença (Laksono; et al., 2020).
O vírus infecta as células ao liberar seu genoma, após sua fusão com a membrana celular dependente do receptor CD150 (membro da família 1 da molécula de ativação de linfócitos de sinalização), além do receptor Nectina-4 (Laksono; et al., 2020). O receptor CD150 é expresso por várias células, como macrófagos, células dendríticas e linfócitos. Já a Nectina-4 é parte do complexo de junção aderente, expressa em células epiteliais polarizadas, em células endoteliais e queratinócitos. Além disso, o vírus pode se ligar também, a vários outros receptores como: lectinas do tipo C, moléculas de adesão intercelular específicas de células dendríticas, molécula de adesão 3 e langerina (Laksono; et al., 2020).
Por isso, através do sarampo podem-se adquirir outras infecções graves, pois ele acarreta em uma supressão imunológica (amnésia imunológica), deixando o sistema imune comprometido, sendo a porta de entrada para outras doenças (Laksono; et al., 2020). A Figura 3 mostra a patogênese do sarampo.
Figura3: Patogênese do sarampo (A curva verde representa a carga viral ao longo do tempo). Fonte: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1879625720300110#fig0005
Inicialmente, ocorre à entrada do vírus no trato respiratório infectando células CD150 ou ligando a células dendríticas ou macrófagos alveolares que infectadas, migram, para tecidos linfóides dos brônquios (Figura 3A e Figura 3B). Em seguida, o vírus é drenado para os nódulos linfáticos (Figura 3C), e ocorre sua disseminação pelo sistema circulatório (Figura 3D) ou pelo sistema linfático (Figura 3E). A infecção de células epiteliais respiratórias leva a liberação de partículas infecciosas para a luz do trato respiratório (Figura 3F). A infecção de células dérmica mielóides e linfóides é seguida pela disseminação da infecção entre os queratinócitos epidérmicos de uma maneira dependente de nectina-4 (Figura 3G). Os linfócitos específicos de vírus começam a se expandir para limpar a infecção (Figura 3H). A hiperemia (aumento da quantidade de sangue ou congestão sanguínea) dos capilares da pele leva ao recrutamento de linfócitos específicos e macrófagos ativados para áreas de pele infectadas, e junto com o edema, dá o aparecimento de erupção cutânea (Figura 3I).
Na recuperação, a perda de linfócitos é parcialmente mascarada pela expansão das células recém-geradas (Figura 3J). A erupção cutânea desaparece e a epiderme fica sem infecção (Figura 3K). O paciente fica protegido contra o sarampo clínico por toda a vida. No entanto, devido à perda de linfócitos e células plasmáticas pré-existentes (Figura 3L), e, consequentemente, anticorpos pré-existentes (Figura 3M), o paciente torna-se suscetível a outras doenças infecciosas, principalmente as respiratórias (Figura 3N) (Laksono; et al., 2020).
Os linfócitos agem na disseminação sistêmica, enquanto as células epiteliais respiratórias, na transmissão viral. As células dérmicas mielóides, linfóides e os queratinócitos epidérmicos são responsáveis pelo aparecimento de erupções cutâneas, e as células infectadas com o vírus são eliminadas por células imunológicas específicas para o vírus, entretanto alguns linfócitos ainda abrigam RNA do vírus muito depois da recuperação do sarampo (Laksono; et al., 2020).
Transmissão
A doença é transmitida na fase em que a pessoa apresenta febre alta. A transmissão ocorre por meio de tosses, espirros, fala ou respiração de um indivíduo contaminado, que pode contaminar 90% das pessoas próximas a ele (Medeiros, 2020). Contudo, a dispersão de gotículas com partículas virais no ar fica por um tempo no ambiente, e isso também pode gerar contaminação (Fiocruz, 2018).
O período de incubação varia de 10 a 14 dias, quando aparecem os sintomas (Costa; et al., 2020). A Figura 4 mostra a transmissão do sarampo.
Figura4: Transmissão do sarampo. Fonte: https://www.dive.sc.gov.br/sarampo/index.html.
Sintomas e Riscos
Os sintomas iniciais são: febre, tosse persistente, coriza, olhos avermelhados e dor. Logo após, aparecem manchas de Koplik (manchas esbranquiçadas) na mucosa bucal, e manchas avermelhadas no rosto, que progridem para o corpo (início do sarampo clínico). Esta fase sintomática (de erupção cutânea) dura de cinco a seis dias. Após esse período, a febre diminui, a erupção cutânea desaparece e pode ocorrer descamação fina da pele (fase de convalescença) (Costa; et al., 2020) (Figura 5).
Porém, em alguns casos, os sintomas se agravam, dependendo da carga viral e do sistema imune do indivíduo, surgindo complicações, tais como:
Infecções nos ouvidos;
Pneumonia;
Ataques (convulsões e olhar fixo);
Diarréias;
Perda de apetite;
Conjuntivite;
Dor de cabeça;
Mal estar intenso;
Cegueira;
Infecções no encéfalo.
Pode ainda gerar lesão cerebral, e consequentemente morte (Fiocruz, 2018). As gestantes contaminadas apresentam maior risco de malformação fetal, baixo peso ao nascer neonatal, aborto espontâneo, morte fetal intrauterina, morte materna e parto prematuro (Costa et al., 2020).
Tratamento
Não há tratamento específico para o sarampo, apenas algumas medidas de suporte ao paciente (Costa; et al., 2020). Em casos mais graves, vitamina A é administrada, e nos menos graves é recomendada a ingestão de líquidos e controle da febre (Sociedade Brasileira de Imunizações, 2018). E para gestantes, deve ser realizada a profilaxia pós-exposição com imunoglobulina endovenosa (Medeiros, 2020).
Profilaxia (prevenção)
A medida fundamental de prevenção e erradicação é a vacinação (Costa et al., 2020), disponibilizada pelo Ministério da Saúde, durante todo o ano nos postos de saúde. As vacinas que previnem contra o vírus do sarampo são (Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2006):
Tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola);
Tetraviral (contra todas essas e também contra catapora);
Dupla viral (protege do vírus do sarampo e rubéola) utilizada para o bloqueio vacinal, em surtos.
Quem deve se vacinar ?
A vacinação é indicada para todas as pessoas de 6 meses a 59 anos. O Ministério da Saúde lançou uma campanha de vacinação que vai até o dia 30 de outubro de 2020, faz parte do Movimento Vacina Brasil, com foco na imunização contra o sarampo e poliomielite.
*Saiba mais sobre o Sarampo em:
*Boletim epidemiológico:
Por Talita Alves, graduanda em Farmácia pela UFRJ.
Bibliografia:
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Sarampo: sintomas, transmissão e prevenção. Rio de Janeiro, 2018. Link: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/sarampo-sintomas-transmissao-e-prevencao
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO. Alerta de sarampo. Rev. Saúde Pública, Vol. 40, N. 04. São Paulo, 2006. Link: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102006000500031&lng=en&nrm=so&tlng=en
COSTA, Natália Rodrigues; ONEDA, Rafaella Menegazzo; ROHENKOHL, Cecília Albertoni; SARAIVA, Leonardo; TANNO, Luciana Kase; BASSANI, Cíntia. Perfil Epidemiológico do Sarampo no Brasil de 2013 a 2018. Rev. Assoc. Med. Bras., Vol. 66, N. 05. SCIELO, 2020. Link: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302020000500607&lang=pt
PINHEIRO, Chloé. Novo Subtipo do Sarampo seria o Responsável pelos Surtos no Brasil? VejaSaúde, 2019. Link: https://saude.abril.com.br/medicina/novo-subtipo-do-sarampo-seria-o-responsavel-pelos-surtos-no-brasil/
MEDEIROS, Eduardo Alexandrino Servolo. Entendendo o Resurgimento e o Controle do Sarampo no Brasil. Acta Paul. Enferm., Vol. 33, SCIELO, São Paulo, 2020. Link:https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002020000100200#B2
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Sarampo: Sintomas, Prevenção, Causas, Complicações e Tratamento, 2020. Link: https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/sarampo
SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Boletim Epidemiológico 34. Vol. 51, 2020. Link: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/August/31/Boletim-epidemiologico-SVS-34.pdf
GOVERNO DO BRASIL. Campanha de vacinação segue até 30 de outubro. 2020. Link: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/10/campanha-de-vacinacao-segue-ate-30-de-outubro
LAKSONO, Brigitta M.; VRIES, Rory D de; DUPREX, W Paul; SWART, Rik L de. Patogênese do Sarampo, Imunosupressão e Modelos Animais. Opinião Atual em Virologia, Vol. 41, Págs. 31 a 37 – 2020. Link: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1879625720300110#fig0005
GALLAGHER, James. Sarampo faz Corpo ‘Esquecer’ como Combater Infecções, dizem Cientistas. BBC NEWS, 2019. Link: https://www.bbc.com/portuguese/geral-50258441
FARIA, Fábio Gaudenzi de; SUS; Telessaúde Santa Cantarina. Sarampo: Diagnóstico Precoce e Situação vacinal – 2020. Link: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/196243/Sarampo_diagnostico_precoce_e_cobertura_vacinal.pdf?sequence=2&isAllowed=y
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