Delírio é uma alteração do pensamento caracterizada por crenças firmes e inabaláveis, que são falsas ou não baseadas na realidade, e que não são passíveis de correção pela lógica ou evidências. Esses pensamentos distorcidos não fazem parte das crenças culturais ou religiosas da pessoa e geralmente envolvem interpretações errôneas de percepções ou experiências.
Delírios são comuns em transtornos psicóticos, como a esquizofrenia, mas também podem ocorrer em quadros de demência, transtornos do humor (como a depressão e o transtorno bipolar), intoxicações por substâncias e em algumas condições neurológicas. Existem diferentes tipos de delírios, como:
Delírios persecutórios – a pessoa acredita que está sendo perseguida, vigiada ou ameaçada.
Delírios de grandeza – a pessoa acredita que tem um poder, importância ou habilidade muito além do real.
Delírios de ciúmes – a pessoa acredita que seu parceiro é infiel, mesmo sem evidências.
Delírios de referência – a pessoa acredita que eventos, objetos ou pessoas têm um significado especial direcionado a ela.
Delírios somáticos – a pessoa acredita que há algo errado com seu corpo, como uma doença grave, sem uma justificativa médica.
Nesse transtorno, a pessoa que originalmente tem o delírio (a "pessoa primária") influencia outra pessoa (ou pessoas), que adota essa mesma crença sem questioná-la, mesmo que seja absurda ou irreal. Normalmente, uma das pessoas apresenta um transtorno psicótico, enquanto a outra é influenciada pelo contato próximo. O transtorno ocorre com mais frequência em relações nas quais existe uma dinâmica de poder e dependência, sendo mais comum em pessoas socialmente isoladas ou com vínculos emocionais muito intensos.
Como é algo pouco comum, são pouquíssimos os estudos que falam sobre quantas pessoas sofrem desse transtorno, mas uma revisão de pesquisas identificou 64 casos registrados entre 1993 e 2005. Em 1877, os médicos Laségue e Falret estudaram o transtorno mais a fundo. Eles indicaram que, para o delírio ser considerado “contagioso”, ele deveria parecer plausível e que a síndrome era mais comum entre mulheres.
Há outros autores e estudiosos que usam outras nomenclaturas para esse transtorno, como: insanidade compartilhada, insanidade contagiosa, loucura infecciosa, psicose de associação e dupla insanidade.
Características principais
Compartilhamento do delírio: A pessoa influenciada passa a aceitar e acreditar no delírio como verdadeiro, apesar de evidências em contrário.
Isolamento social: Esse transtorno é mais comum entre pessoas que vivem em isolamento social ou que têm pouca interação com o mundo externo, o que facilita a aceitação do delírio.
Relação de dependência: A pessoa influenciada normalmente tem uma dependência emocional da pessoa primária e acredita fortemente nela.
Geralmente, podem ser classificados como outro transtorno do espectro da esquizofrenia e outro transtorno psicótico especificado, com o especificador sintomas delirantes em parceiro de pessoas com transtorno delirante. Na classificação de transtornos mentais e de comportamento da Classificação Internacional de Doenças, 10a edição (CID-10), ele é enquadrado como transtorno delirante induzido.
Na CID-10, os critérios envolvem duas ou mais pessoas que podem dividir o mesmo delírio e que têm um relacionamento próximo; e geralmente estão isoladas das demais por língua, cultura ou geografia. A CID-10 relata que apenas uma das pessoas envolvidas no compartilhamento do delírio sofre de um transtorno psicótico genuíno e que os delírios podem desaparecer quando as pessoas se separam.
A folie à deux pode se manifestar de diferentes formas que são classificadas de acordo com o tipo de influência entre as pessoas envolvidas. A mais comum é a “folie imposée”, em que uma pessoa “ativa” estabelece seus delírios à pessoa “passiva”. Em situações mais raras, como a “folie simultânea”, os dois os envolvidos desenvolvem delírios parecidos de forma quase concomitante, mesmo que ambos possam ter predisposição para transtornos psicóticos. Há também o “folie comunicado”, onde na segunda pessoa, o delírio se desenvolve no indivíduo após uma fase de resistência inicial.
Em análises de relações com folie à deux, os pesquisadores notaram fatores emocionais e sociais bem importantes. Regularmente, eles possuem uma profunda dependência emocional, o que pode estimular a simbiose e aumentar a suscetibilidade ao delírio compartilhado. Isolamento, traumas compartilhados, pouca interação com o mundo externo também podem são fortes contribuições para a vulnerabilidade do transtorno. Estudos indicam que essa síndrome pode levar anos para ser identificada devido à sutileza dos sintomas e ao isolamento social.
A folie à deux é uma episódio raro e fascinante que nos lembra o quanto as relações humanas podem influenciar profundamente a nossa percepção da realidade. Em alguns contextos como de isolamento, a linha entre o real e o imaginário pode se atenuar, dando espaço para delírios compartilhados que afetam a saúde mental de todos os envolvidos.
O tratamento do transtorno delirante induzido inclui:
Separação física das pessoas envolvidas: Afastar a pessoa influenciada da primária pode ser suficiente para interromper o delírio.
Psicoterapia: Terapia individual ou familiar pode ajudar a pessoa influenciada a entender e abandonar a crença delirante.
Medicação: Em alguns casos, pode ser necessário o uso de antipsicóticos, especialmente para a pessoa primária que iniciou o delírio.
Assim, pode ser possível recuperar a autonomia psíquica e a percepção individual, voltando a ter a capacidade de enxergar o mundo com clareza e entendimento.
Escrito por: Larissa Gaspar
Referências Bibliográficas
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Catanesi R, Punzi G, Rodriguez WC 3rd, Solarino B, Di Vella G. Faith, folie à famille, and mummification: a brief review of the literature and a rare case report. J Forensic Sci. 2014;59(1):274-80.
Machado, L., Cantilino, A., Petribú, K., & Pinto, T.. (2015). Folie à deux (transtorno delirante induzido). Jornal Brasileiro De Psiquiatria, 64(4), 311–314. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000095
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