Figura 1: as bactérias e nossa microbiota. Fonte: Dra. Adriana López Luría.
Hipócrates dizia que somos o que são nossos intestinos (Lira, 2013)
Você já parou para pensar por que sente aquele desconforto intestinal quando fica nervoso ou ansioso? O que explica isso é a conexão que existe entre o nosso cérebro e os intestinos. As reações como diarréia e náuseas são mais intensas nos quadros psiquiátricos de ansiedade e depressão. O cérebro influencia nosso estado gastrointestinal, pois nosso aparelho digestivo “absorve” nossas emoções e estado mental [1]. Ou seja, o cérebro envia sinais para o intestino e é por isso que o estresse e outras emoções podem contribuir para sintomas gastrointestinais.
Entretanto, os sinais viajam no sentido oposto também: os microrganismos que habitam nosso intestino podem produzir substâncias que afetam nossa saúde mental. Assim, essa via de mão dupla afeta nossa saúde [12].
Figura 2: Conexão cérebro-intestino: consiste em um eixo de comunicação bidirecional, onde a informação pode ser gerada a nível intestinal ou cerebral. Fonte: Instituto de Radiologia Presidente Prudente.
Atualmente, nosso sistema digestivo é conhecido como segundo cérebro. Podemos dizer que temos dois sistemas nervosos. O nosso sistema nervoso central, composto por nosso cérebro e a espinha dorsal e o sistema nervoso entérico, é o sistema nervoso intrínseco de nosso trato gastrointestinal. O cérebro e o intestino formam um eixo de comunicação bidirecional, ou seja, estão conectados através do nervo vago, que vai do tronco cerebral até o abdômen. Desse modo, o nervo vago é a principal rota que as bactérias intestinais usam para transmitir informações para nosso cérebro. E o fator determinante da homeostase (equilíbrio) em nosso cérebro, intestino e organismo em geral é a nossa microbiota intestinal.
Microbiota Intestinal
Foi comprovado que as bactérias intestinais participam da regulação de variados e importantes processos fisiológicos [2]. Suas principais funções são: metabólicas, tróficas e protetoras.
O grau de semelhança do interior dos intestinos de dois indivíduos é de apenas 10% [3]. Porém, no corpo humano em geral, há aproximadamente 43% de células e todo o resto são microrganismos [4]: bactérias, vírus, fungos, arquea (semelhantes a bactérias, diferenciam-se pela genética), entre outros, sendo que nos intestinos está a maior concentração destes microrganismos [4]. A respeito das bactérias, temos dois tipos: as que ajudam a manter a homeostase do nosso organismo e as que causam infecções e doenças, principalmente psicopatologias.
O microbioma intestinal bacteriano é amplamente definido por dois filotipos dominantes, Bacteroidetes e Firmicutes, com os filos de Proteobacteria, Actinobacteria, Fusobacteria e Verrucomicrobia [5]. Mas o fator mais interessante é que nossa microbiota tem influência em moléculas que afetam nosso comportamento social (glicocorticóides, esteróides sexuais, neuropeptídeos e monoaminas) e nas regiões do cérebro relacionadas a sociabilidade do indivíduo como: amígdala, córtex pré-frontal, hipocampo e o hipotálamo [5]. Portanto, já se compreende parte da relação da microbiota intestinal com a depressão.
A microbiota de nosso intestino também é produtora de neurotransmissores, os mensageiros químicos que transportam os sinais entre os neurônios e outras células do corpo [6]. Veja tabela abaixo. Fonte: Lyte, 2011.[7]
Além disso, nosso intestino associado aos tecidos linfóides formam o maior órgão imune do corpo humano, representando mais de 70% do sistema imune total, por isso, o sistema gastrointestinal desempenha um papel central na homeostase do sistema imunológico [8].
Microbiota dos Recém-natos
Resultados de estudos pré-clínicos com ratos, vêm indicando que no caso dos recém natos, pode ocorrer alterações da microbiota por fatores como exposição a antibióticos, falta de aleitamento materno, parto por cesariana, infecção, inflamação (ativação imune materna), exposição ao estresse, separação materna e outras influências ambientais e genéticas [5, 13].
Figura 3. A microbiota ao longo da vida. Fonte: Anselmo Santana, 2021.
Tais fatores podem levar à diminuição da microbiota, aumentando o risco da criança desenvolver desordens neurodegenerativas e de neurodesenvolvimento, devido às elevadas concentrações de citocinas pró-inflamatórias. Isso pode influenciar a suscetibilidade individual ao desenvolvimento de autismo [5] ou um perfil comportamental com essa característica, por isso o autismo também está sendo associado a perturbações microbianas (ainda em pesquisa) [5].
Microbiota em disbiose
Uma disbiose (desequilíbrio) dessa flora, pode ocorrer por variados motivos como: dieta inadequada, uso de antibióticos, estresse físico ou mental, entre outros, e pode acarretar patobiontes, que são espécies bacterianas que favorecem estados patológicos [13].
Figura 4: Desequilíbrio da microbiota intestinal. Fonte: Nutricionista Cristiane Perroni, 2021.
Quando há uma disbiose, há aumento da permeabilidade intestinal, facilitando a entrada de toxinas, macromoléculas e translocação de bactérias gram-negativas através do revestimento da mucosa para acessar as células imunes e SNE. Como consequência, leva a uma resposta imune caracterizada pelo aumento da produção de mediadores inflamatórios. Os sintomas se refletem de forma gastrointestinal e psíquica, alguns como: constipação, diarréia, alterações do humor, irritabilidade, podendo levar a condições mais graves como: doenças inflamatórias, anorexia, obesidade, entre outros [1].
Portanto, estudos vêm comprovando que manter a saúde de nossa microbiota contribui para a saúde do cérebro, por isso, a ingestão de psicobióticos vem revelando um novo potencial como terapêutica a favor da saúde mental, para remissão de psicopatologias. Assim, uma nova possibilidade surge para o tratamento de transtornos como estresse, ansiedade, depressão e outros, através do consumo de psicobióticos.
O que são Psicobióticos?
Os psicobióticos são bactérias vivas (probióticos) os quais após sua ingestão, afetam o sistema nervoso de modo benéfico. São os microrganismos vivos, ou seja, “bactérias do bem” [5]. As bactérias mais utilizadas como probióticos são as dos gêneros Bifidobacterium e Lactobacillus [2] e são as mais prescritas nos casos de estresse e ansiedade. Os probióticos podem ser incluídos em vários produtos alimentares, medicamentos ou suplementos alimentares, mas é importante consultar um especialista. As principais aplicações de culturas probióticas são realizadas em produto lácteos como leites fermentados e iogurtes [14].
Quando ingeridos, os psicobióticos através de suas propriedades, trazem benefícios à saúde, principalmente do cérebro, pois corroboram para um melhor funcionamento do eixo intestino-cérebro levando ao equilíbrio da flora, por meio de interações com bactérias comensais do intestino, de modo a proteger o hospedeiro (o homem) [1].
Já os prebióticos, aumentam o crescimento de bactérias intestinais benéficas. São alimentos funcionais que alimentam a flora local, nutrem e apoiam o crescimento desses microorganismos benéficos e consistem em hidratos de carbono (oligossacarídeos e polissacarídeos). São carboidratos complexos, não degradáveis pelas enzimas salivares e intestinais [5]. Uma alimentação adequada pode aumentar a concentração de bactérias boas no intestino. Dentre os prebióticos, destacam-se a oligofrutose, a inulina e os frutooligossacarídeos (FOS), compostos que podem ser encontrados em alimentos apresentados a seguir [14].
Exemplos de prebióticos:
alcachofra
alho
aspargo
banana
barra de cereais
beterraba
biscoitos com baixo teor de gordura
cebola
centeio
cerveja
cevada
chicória
iogurte
kefir
maçã
mel
tomate
trigo
verduras [14].
Além dos benefícios para o cérebro, os principais benefícios dos prebióticos são:
modulação do metabolismo lipídico reduzindo os riscos de aterosclerose e os níveis de triglicérides e de colesterol plasmático;
redução dos riscos de osteoporose;
modulação da microflora intestinal;
redução do risco de câncer de cólon e de doenças cardiovasculares;
prevenção à obesidade e ao Diabetes Mellitus tipo II;
estímulo ao sistema imunológico;
alívio à constipação;
controle da pressão arterial [14].
No geral, uma alimentação mais rica em prebióticos e probióticos, parece ter um efeito positivo sobre a forma como se pensa, sente e reage ao longo de todo o dia.
Como funcionam os psicobióticos?
Como já dito, as bactérias boas do intestino conseguem enviar mensagens do intestino até ao cérebro através do nervo vago. Assim, os psicobióticos atuam principalmente enviando neurotransmissores importantes como o GABA ou a serotonina, que diminuem os níveis de cortisol (hormônio do estresse), aliviando sintomas temporários de estresse, ansiedade ou depressão.
As pesquisas em psicobiótica são baseadas em modelos de roedores. Mas foi comprovado que os psicobióticos afetam marcadores psicofisiológicos de ansiedade e depressão e promovem efeitos psicológicos emocionais, cognitivos, sistêmicos no eixo HPA (eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal), na resposta ao estresse, na inflamação e neurais em neurotransmissores e proteínas [16]. Porém, os mecanismos de ação ainda não foram completamente elucidados e definidos, portanto, é um assunto pouco compreendido, ainda em pesquisa.
Sabe-se que os metabólitos gerados pelos probióticos tem propriedades neuroativas [6]. Além de atuar contra agentes patogênicos, favorecem a função da barreira intestinal (revertendo o estado de permeabilidade) e a diminuição da resposta inflamatória (pois auxiliam o sistema imunológico), entre outros. Assim, um dos possíveis mecanismos de ação, é a redução de citocinas pró-inflamatórias (IL-6 e TNF-α) [6].
Pesquisas apontam que, em pessoas com estresse crônico, por exemplo, há modificações na microbiota intestinal resultando em aumento da inflamação no corpo, ativação da resposta imune e alteração dos neurotransmissores, que por sua vez mudam as respostas cerebrais como o humor e comportamento. Esse ciclo vicioso pode ser revertido com a ingestão oral de probióticos, os quais diminuem inflamações e assim, menos hormônios relacionados ao estresse aparecem na circulação e com menor ativação de áreas ligadas à ansiedade no cérebro. No caso da depressão, os probióticos parecem ter efeito sobre o sistema nervoso muito semelhantes aos obtidos com antidepressivos [10].
Figura 5: Visão geral da ação psicobiótica. Fonte: Trends in Neurosciences.
De modo geral, os psicobióticos atuam por diversas maneiras, entre elas a diminuição da inflamação e a produção de neurotransmissores. Observe a Figura 5, onde as setas azuis indicam processos e efeitos psicobióticos em um organismo saudável, enquanto as setas vermelhas indicam processos associados ao intestino com vazamento e inflamação [10].
Nos intestinos, os psicobióticos promovem a liberação de hormônios e neurotransmissores, para entrarem na circulação, tendo como destino, o cérebro, mais precisamente, o sistema nervoso central (SNC). Em um organismo saudável, os psicobióticos podem auxiliar na redução de citocinas pró-inflamatórias, reduzir a ação do cortisol (hormônio induzido pelo estresse), além de atuar para uma maior produção de citocinas anti-inflamatórias, que atuam em conjunto com a barreira hematoencefálica (barreira que protege o SNC contra invasores). Ou seja, os psicobióticos ajudam a manter a homeostase do organismo, o equilíbrio entre saúde do corpo, cérebro e estado de humor, tudo isso sem apresentar efeitos adversos.
O lado direito desta figura (setas vermelhas), demonstra como a falta de psicobióticos pode refletir em uma disfunção da barreira que antes protegeria o SNC. Então uma disfunção elevada causada por ex., pela exposição ao glicocorticóide (cortisol) induzido pelo estresse, pode levar ao humor negativo, falta de disposição e doenças. Essa disfunção permite a migração de bactérias com componentes pró-inflamatórios, desencadeando um aumento de citocinas pró-inflamatórias (círculos vermelhos) e reduzindo a produção de neurotransmissores. Além disso, reduzem a integridade da barreira intestinal e da barreira hematoencefálica, abrindo portas para bactérias, agentes invasores, patogênicos e inflamatórios, causadores de doenças como: [10] infecções intestinais, ansiedade, depressão, Alzheimer, doença bipolar, esquizofrenia, autismo, entre outras [6].
Contudo, a ação psicobiótica restaura a função da barreira intestinal e diminui as concentrações circulantes de glicocorticóides e citocinas pró-inflamatórias. Aumentando as concentrações de citocinas anti-inflamatórias (círculos azuis), melhoram a integridade da barreira hematoencefálica, intestinal e reduzem a inflamação geral [10]. Isto se torna benéfico na redução de emoções negativas nos seres humanos e em nossa saúde em geral. Por isso, os psicobióticos vem revelando potencial como nova terapêutica para doenças psiquiátricas.
Os medicamentos convencionais como antidepressivos e ansiolíticos apresentam frequentemente efeitos colaterais prejudiciais como alteração da microbiota intestinal, provocando distúrbios gastrointestinais, disfunções sexuais, ganho ou perda de peso, dislipidemia, hipertensão etc. Desse modo, os psicobóticos podem ser capazes de controlar sintomas das doenças que atingem o cérebro sem eventos adversos.
Quais psicobióticos devo tomar?
As melhores dosagens para esses psicobióticos ainda precisam ser determinadas, mas alguns deles, estão comercialmente disponíveis em cápsulas de probióticos. Como o “Probians”, um suplemento alimentar em cápsulas (psicobiótico), formado por cepas de Lactobacillus helveticus R0052 ND e Bifidobacterium longum R0175, que foi lançado recentemente pela APSEN farmacêutica [15].
Para os prebióticos, são recomendadas doses de 4 a 5 gramas na alimentação diária [14], porém, o ideal é que você procure uma abordagem e avaliação funcional por um profissional qualificado que prescreva qual o melhor probiótico para o seu caso. Entretanto, adotar uma dieta mais natural possível, evitando açúcar em excesso e alimentos industrializados, pois estes alteram a microbiota intestinal, e adotando práticas de exercício.
Por Talita Alves, graduanda em Farmácia pela UFRJ.
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