A história da humanidade sempre foi afetada por doenças, no século XIV a peste negra mudou o mundo completamente ao matar mais de 75 milhões de pessoas na Europa e na Ásia. (COHN et al., 2008)
A gripe comum foi um dos fatores mais cruciais para a conquista do continente latino-americano. Ela nunca tinha sido experienciada pelos indígenas na região e foi devastadora, adoecendo, enfraquecendo e matando vários nativos da região. (ALVAREZ et al., 2014)
É importante salientar também que uma pandemia é diferente de uma epidemia, um surto ou uma endemia. Cada uma tem suas características e serão definidas a seguir:
O que é um Surto?
O surto acontece quando uma região apresenta um número muito alto de casos de uma doença. Ela não chega em outras regiões, podem ser sazonais (dependentes da estação do ano) e normalmente são doenças pouco contagiosas (MORENS et al., 2009).
Exemplos de surtos: surtos de dengue no verão e surtos de gripe no inverno.
Figura 1: Mosquito Aedes aegypti. Fonte: Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-12/mais-de-500-cidades-tem-risco-de-surto-de-doencas-causadas-pelo-aedes Acesso: 04/04/2020
O que é uma Endemia?
A endemia é um caso diferente, ele não expressa quantidade, ele é uma expressão para determinar apenas uma região de contágio. Como, por exemplo, a Febre Amarela é uma doença endêmica para a região norte do Brasil. (NEUMANN et al., 2009)
O que é uma Epidemia?
A epidemia é decretada quando existem surtos de uma doença em diversas regiões, tantas que já pode ser considerado um problema de maior gravidade. Epidemias podem ser divididas em níveis, dependendo do grau de contágio, municipal, estadual ou nacional. (MORENS et al., 2009).
Exemplos de epidemias: Malária, Tuberculose.
Figura 2: Mulher tossindo com tuberculose. Fonte: Interfisio. https://interfisio.com.br/tuberculose-prevencao-e-cura/ Acesso: 04/04/2020
O que é uma Pandemia:
Etimologicamente de origem grega, a palavra Pandemia é a união das palavras pan que significa “tudo ou todos” e demos que significa “povo”. A pandemia é o nome dado para crises de maior gravidade, e para que seja decretada pandemia é necessário que o problema seja mundial. Normalmente casos de pandemia começam em níveis menores e depois são elevados ao nível pandêmico para evitar crises socioeconômicas nos países afetados e no mundo.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) Pandemia é o termo usado para uma doença que rapidamente se espalhou por diversas partes de diversas regiões (continental ou mundial) através de uma contaminação sustentada. Assim, a gravidade da doença não é determinante e sim o seu poder de contágio e sua proliferação geográfica.
As características de uma pandemia são: (MORENS et al., 2009).
Ocorre em ampla extensão geográfica: Quase todos os usos do termo pandemia referem-se a doenças que se estendem por grandes áreas geográficas por exemplo, a praga do século 14 (a peste negra), cólera, gripe e vírus da imunodeficiência humana (HIV) /AIDS). A ampla distribuição geográfica indica que toda a população mundial corre o risco de adquiri-la.
Movimento da doença e velocidade: diz respeito ao espalhamento da doença de uma pessoa para outra e a rapidez com que isso ocorre, ou seja, muitos casos aparecem em um curto período de tempo. A facilidade de deslocamento das pessoas de um local para outro em um curto período de tempo, facilita que um agente infeccioso também possa ser transportado para outro local e, assim, conseguir infectar outras pessoas.
Novidade: doenças que são novas ou pelo menos associadas a novas variantes de organismos existentes;
Contágio da doença infecciosa: a doença infecciosa se espalha de pessoa para pessoa;
Severidade: a doença é severa ou fatal.
Desse modo, o termo Pandemia refere-se a uma situação em que a ocorrência de uma determinada doença infecciosa não ocorre apenas em uma determinada localidade, espalhando-se por diversos países e em mais de um continente, com transmissão sustentada entre pessoas. A transmissão sustentada é caracterizada pela transmissão da doença por um indivíduo infectado que não esteve nos países com registro da doença a outro indivíduo que também não esteve em tais países.
Geralmente as pandemias são ocasionadas por doenças virais, pois, em virtude da falta de medicamentos para o tratamento desse tipo de doença e da necessidade de tempo para a produção de vacinas que possam imunizar a população, elas acabam sendo transmitidas mais facilmente.
Figura 3: Várias regiões do mundo afetadas pela doença. Fonte: Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/doencas/pandemia.htm Acesso: 04/04/2020
Grandes pandemias da história:
-Peste negra: Como já citado, no século XIV a peste negra devastou a Ásia e a Europa, mas essa doença já afetava a humanidade há séculos. A sua primeira aparição documentada foi no século VI, depois no século VIII além de outras 18 ondas documentadas por historiadores. A doença afetou os continentes africano, asiático, europeu em ondas até o século XIX, com a última onda documentada em 1815 (COHN et al., 2008).
-Cólera: No começo de século XIX houve um surto de cólera na Inglaterra que por meio da propagação da doença foi transformada em uma pandemia. Até hoje a Cólera é um problema em alguns países subdesenvolvidos, mas ela já foi erradicada em todos países desenvolvidos. (ALVAREZ et al., 2014)
-Gripe Espanhola: É estimado que a pandemia do vírus influenza de 1918 começou nos Estados Unidos e se espalhou pela Europa durante a Primeira Guerra Mundial. As estimativas de mortes são pouco precisas, mas alguns historiadores apontam que possam ser até 200 milhões de mortos. Porém, no final ano de 1918 depois de uma segunda onda, a crise foi perdendo força. (MILLS et al., 2004)
-Gripe Suína: A pandemia de 2009 foi por uma variação do vírus influenza que foi responsável pela gripe espanhola. Por esse motivo, o vírus não afetava tão efetivamente pessoas mais velhas que já tiveram contato com a gripe espanhola durante a vida. (BIRNBAUM et al., 2009).
A Tabela abaixo mostra uma linha do tempo das pandemias já registradas na história:
Como se formam as curvas de contágio?
Curvas de contágio (Figura 4) são gráficos que informam o número de contágios ao decorrer de um período no tempo. Para desenvolver uma curva de contágio é necessário que seja definido um R0 ou taxa básica de reprodução, um coeficiente para definir quantas pessoas são contagiadas por cada infectado (RAMIREZ et al., 2020).
Figura 4: Curva de contágio, explicada. Fonte: BBC Brasil https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51850382 Acesso: 14/05/2020
O R0 (R zero) ou número básico de reprodução de uma doença infecciosa mede a transmissibilidade do agente infeccioso. O R0 diz o número de indivíduos que serão contaminados a partir de um indivíduo infectado que servirá como fonte do agente infeccioso. O R0 é calculado quando se tem uma população não vacinada, sem contato prévio com o patógeno e quando não há formas de controlar sua dispersão.
A relação entre o valor do R0 e as consequências em termos de doenças infecto-contagiosas, são descritas pelas diferentes possibilidades:
1- Se o R0 for menor que 1: isto significa que cada indivíduo infectado gerará menos que um outro indivíduo infectado. A chance de transmissão é muito baixa e a doença tenderá a decair e a desaparecer.
2- Se o R0 for igual a 1: neste caso, cada indivíduo infectado causa uma nova infecção e a doença permanecerá, pois será transmitida de indivíduo em indivíduo, de forma estável, sem que ocorra uma epidemia. A doença pode permanecer na mesma região ou população por longos períodos de tempo.
3- Se o R0 for maior que 1: a situação fica mais preocupante porque cada indivíduo infectado causa mais que uma nova infecção, isto é, infecta mais que um indivíduo. Nestes casos, ocorrerá um surto, uma epidemia ou uma pandemia. Quanto mais elevado o valor do R0, maior será a transmissibilidade e maior será a população potencialmente afetada pelo agente infeccioso. R0 maior que 1 significa que a doença continua a se espalhar exponencialmente entre as pessoas.
E no caso do Covid- 19, qual o R0?
Figura 5: Taxa básica de reprodução. Fonte: DW Brasil https://www.dw.com/pt-br/os-números-sobre-a-pandemia-de-coronavírus/a-52848559 Acesso: 13/05/2020
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o R0 para o coronavírus foi calculado com base nos casos chineses, e o valor é de 2,5, ou seja, o grau de contágio fica entre 2 e 3, considerado moderado (1 doente com vírus infecta de 2 a 3 pessoas) comparado por exemplo ao sarampo que apresenta R0 12-18 (1 doente infecta 12 a 18 pessoas) com alto grau de contágio (Figura 6).
Embora a escala de letalidade do coronavírus seja relativamente baixa (~3,4%) a escala de difusão é elevada, o que deve sobrecarregar o sistema de saúde e aumentar as taxas de mortalidade pela falta de estrutura e números de leitos para o atendimento. Portanto, a preocupação para conter a disseminação ainda é justificável. O valor de R0 não é fixo, pode diminuir com as medidas preventivas corretas.
A Figura 6 mostra o valor de R0 para diferentes doenças contagiosas:
Figura 6: R0 de diversas doenças. Fonte: World Economic Forum. (Traduzido) https://www.weforum.org/agenda/2020/03/a-visual-history-of-pandemics Acesso: 14/05/2020
Medidas para impedir e solucionar surtos, epidemias e pandemias:
Recentemente a OMS instaurou estado de pandemia no ano de 2020 devido à crise do Coronavírus pelo mundo. No mesmo pronunciamento, a OMS recomendou medidas para que os países possam controlar o contágio dentro do seu território. (GALLAGHER et al., 2020)
As recomendações de medidas em caso de pandemia são:
-Isolamento social e distanciamento social:
Figura 7: Representação do distanciamento social. Fonte: Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/isolamento-social.htm Acesso: 04/04/2020
Em caso de uma doença contagiosa, é importante que a população se isole em casa, impedindo que qualquer tipo de interação interpessoal espalhe a doença.
-Uso de máscaras e luvas:
Figura 8: Uma representação de como usar as máscaras e luvas de modo apropriado. Fonte: O Livre. https://olivre.com.br/crm-vai-ao-mp-por-falta-de-mascara-e-luvas-em-unidades-publicas-de-saude Acesso: 06/04/2020
Existe ainda uma discussão sobre o uso de máscaras, em alguns países foi recomendado que todos usassem máscaras, em outros a recomendação é que apenas pessoas com sintomas usem elas. Em geral, a recomendação é de usar máscaras a todo momento que existir a possibilidade de contato com alguém fora da sua casa.
Na questão das luvas, elas só deveriam ser utilizadas quando tiver que tocar em alguém ou algo que possa estar contaminado.
-Preservação de um sistema público de saúde
É notória a necessidade de investir e valorizar cada vez mais as pesquisas científicas, os estudos e os profissionais de saúde, para impedir no futuro que outras pandemias voltem a assolar a humanidade.
A importância de um sistema público de saúde só aumenta em tempos de crise, é importante manter uma possibilidade de tratamento para todo o cidadão, já que todos podem espalhar a doença agravando a crise.
-Felipe Heck, Graduando em Farmácia
Referências:
1 Mills, C., Robins, J. & Lipsitch, M. Transmissibility of 1918 pandemic influenza. Nature 432, 904–906 (2004). https://doi.org/10.1038/nature03063
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