Lentes de contato são utilizadas para diferentes propósitos, desde uso estético e cosmético até correção de defeitos refrativos, além de serem um método terapêutico para patologias que afetam a córnea, como o ceratocone e utilizadas em reabilitação pós-transplante de córnea ou pós-cirurgia refrativa.1, 2
Em relação ao uso cosmético, as lentes de contato melhoram a qualidade de vida de quem as utiliza, tanto por permitirem uma menor restrição durante as atividades cotidianas em comparação com o uso de óculos, quanto por melhorarem a aparência. Essa utilidade é uma das justificativas mais comuns para a preferência do uso de lentes de contato pela população mais jovem.1
Por sua vez, o uso mais frequente de lentes de contato entre jovens é uma das possíveis explicações para o índice de mau uso ser tão alto. Essa falta de cuidado inclui práticas como limpeza e desinfecção inapropriadas, exposição das lentes à água da torneira (que aumenta o risco de ceratite microbiana), uso ininterrupto (por exemplo, durante o sono e o banho de chuveiro ou até de piscina), má higiene das mãos ao colocar e ao retirar as lentes dos olhos, bem como a utilização de lentes além do período recomendado (por exemplo, lentes de descarte diário, sendo reaproveitadas como de descarte mensal ou até anual). Ao se tratar de lentes de contato para uso cosmético (geralmente coloridas), uma prática recorrente é a compra pela internet e até mesmo o compartilhamento de lentes entre amigos e familiares.1–3
Parte do cuidado no uso de lentes de contato é referente à utilização de produtos destinados à conservação, que devem conter diferentes classes de componentes com funções distintas, tais como surfactantes (responsáveis pela limpeza), desinfetantes (com ação antimicrobiana), preservativos (evitam a contaminação das lentes ao prevenirem a proliferação de microrganismos), estabilizadores (solução tampão que mantém o pH), agentes umectantes (com a função de lubrificar, mantendo o conforto durante o uso das lentes) entre outros.3
Visto isso, cabe ressaltar os riscos da substituição de um produto adequado pelo soro fisiológico, visto que este não limpa, tampouco retira os depósitos de proteínas das lentes, propiciando a proliferação de microrganismos. Além disso, implica em reações tóxicas por conter preservativos químicos em sua composição e causa desconforto nos olhos, devido à cristalização do cloreto de sódio e a aderência desse sal às lentes, diminuindo sua durabilidade.2, 3
Além da atenção no uso de soluções de limpeza e desinfecção das lentes, é preciso realizar a limpeza do estojo com água quente (sem sabão) no mínimo uma vez por semana, deixar secar ao ar e guardá-lo fechado, trocando-o a cada três a seis meses se não for descartável. Vale lembrar de higienizar as mãos com sabonete neutro e secá-las com toalha que não solte fiapos antes de manipular as lentes de contato, seja para colocá-las nos olhos, seja para retirá-las.3, 4
O reaproveitamento de lentes por períodos além do recomendado, bem como a presença de pigmentos em lentes de uso cosmético favorecem o acúmulo de depósitos orgânicos, inorgânicos e ambientais que acarretam o desenvolvimento de reações inflamatórias, infecciosas e imunológicas, além de desconforto e turvação visual.3, 5
Logo, práticas inadequadas associadas ao uso de lentes de contato podem elevar o risco de proliferação de microrganismos, causando complicações como olho seco, vermelhidão, conjuntivite, ceratite, neovascularização, abrasão, edema e úlcera da córnea, podendo causar até a perda da visão.1, 6
Uma das estratégias para a redução dos riscos citados é o uso de lentes de contato de descarte diário, visto que ao minimizar a manipulação das lentes, é capaz de diminuir substancialmente a acumulação de depósitos na solução contida no estojo de armazenamento das lentes (sabendo que esse tipo de lente não deve ser armazenada, mesmo em estojo apropriado), além de evitar a manutenção de hábitos como o de uso ininterrupto das lentes.4, 5, 7
Outra atitude importante é a de consultar um oftalmologista antes de adquirir lentes de contato para que o paciente seja instruído sobre o uso adequado, principalmente ao observar que a parcela de indivíduos que apresenta menos cuidado no uso das lentes é a que faz uso cosmético (exceto uso indicado após trauma ocular e opacidade de córnea), visto que recebem pouca ou nenhuma orientação ao comprarem, frequentemente, com vendedores não licenciados e por meio da internet, além de que lentes para uso estético adquiridas desse modo raramente são de descarte diário.2, 5–8
Dessa forma, faz-se necessário um retorno periódico ao oftalmologista, tanto para identificar possíveis alterações oculares, quanto para verificar dificuldades no cuidado com o uso das lentes de contato, tal como é recomendado pela Sociedade Brasileira de Lentes de Contato e Córnea (SOBLEC).2, 4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AL-OSAIF N.; ALDAIRI W. Habits of contact lenses use and the associated outcomes among medical students, King Faisal University, Alahsaa, Saudi Arabia. Medical Science, v. 26, n. 122, abril de 2022. Disponível em: <https://doi.org/10.54905/disssi/v26i122/ms124e2153>. Acesso em: 3 de outubro de 2022.
OLIVEIRA, P. R. de. et al. Compliance of the contact lens wearing patient with medical advice. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, v. 67, n. 4, agosto de 2004. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0004-27492004000400009>. Acesso em: 10 de outubro de 2022.
LIPENER, C.; RAY, C. B. M. Current care and maintenance systems for contact lenses. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, v. 71, n. 6 supl., dezembro de 2008. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0004-27492008000700003>. Acesso em: 10 de outubro de 2022.
JONES, L. et al. The COVID-19 pandemic: Important considerations for contact lens practitioners. Contact Lens & Anterior Eye, v. 43, n. 3, p. 196–203, junho de 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.clae.2020.03.012>. Acesso em: 11 de outubro de 2022.
CHAN, K. Y.; CHO, P.; BOOST, M. Microbial adherence to cosmetic contact lenses. Contact Lens & Anterior Eye, v. 37, n. 4, p. 267–272, agosto de 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.clae.2013.12.002>. Acesso em: 11 de outubro de 2022.
SINGH, S. et al. Colored Cosmetic Contact Lenses: An Unsafe Trend in the Younger Generation. Cornea, v. 31, n. 7, p. 777–779, julho de 2012. Disponível em: <https://doi.org/10.1097/ICO.0b013e31823cbe9c>. Acesso em: 11 de outubro de 2022.
JONES, L.; FONN, D. Hand hygiene is linked to microbial keratitis and corneal inflammatory events. Contact Lens & Anterior Eye, v. 42, n. 2, p. 132–135, abril de 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.clae.2018.10.022>. Acesso em: 13 de outubro de 2022.
SAUER, A.; BOURCIER, T. Microbial keratitis as a foreseeable complication of cosmetic contact lenses: a prospective study. Acta Ophthalmologica, v. 89, n. 5, p. 439–442, março de 2011. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/j.1755-3768.2011.02120.x>. Acesso em: 13 de outubro de 2022.
ESCRITO POR: Jennifer Asher Barbosa de Carvalho (aluna de graduação em Farmácia - UFRJ)
Comments