Relógio Biológico: O Cronômetro Interno do Corpo
O professor de farmacologia da Universidade de Jena – Christoph Wilhelm Hufeland – observou em 1797 que o ritmo básico que determina o funcionamento do corpo é o fotoperiodismo de 24 horas, concluindo que o corpo humano opera em ciclos, chamados de ritmos biológicos. Esses ciclos regulam várias funções, como o sono, a temperatura corporal e a produção de hormônios.
O relógio biológico, também conhecido como ritmo circadiano, é um mecanismo interno que regula os ciclos de aproximadamente 24 horas em nosso corpo. Ele influencia uma variedade de processos fisiológicos, como sono, vigília, temperatura corporal, produção de hormônios e metabolismo. Ou seja, relógio biológico é como um cronômetro interno que sincroniza as funções do nosso corpo com o ciclo dia-noite.
Figura 1: O relógio biológico humano é como um cronômetro interno que regula os ciclos de 24 horas do nosso corpo (sono, fome, temperatura corporal e produção de hormônios).
Cronofarmacologia e administração de medicamentos
A cronofarmacologia é a área da ciência que estuda a influência dos ritmos biológicos, especialmente o ciclo circadiano (ciclo de 24 horas), sobre a eficácia e os efeitos colaterais dos medicamentos. Em outras palavras, ela investiga como a hora do dia em que um medicamento é administrado pode afetar a sua ação no organismo.
Os ritmos ou ciclos circadianos permitem que os organismos vivos prevejam e respondam eficientemente a um ambiente em mudança dinâmica, definido por ciclos repetitivos de dia/noite. Uma vez que os ritmos circadianos estão subjacentes a quase todos os aspectos da fisiologia humana, não é surpreendente que também influenciam a resposta de um organismo vivo às doenças, ao stress e à terapêutica.
Figura 2: Ciclo Circadiano e Cronobiologia: como os períodos do dia influenciam o seu corpo. Fonte: https://magistralbr.caldic.com/blog/o-papel-do-ciclo-circadiano-na-homeostase-da-microbiota-intestinal
Na Cronofarmacologia é utilizado o conhecimento dos ritmos biológicos para desenvolver um plano farmacoterapêutico ideal.
Outro pesquisador, Julien Joseph Virey, observou em 1814 que “todos os medicamentos não são igualmente indicados como eficazes, administrados em diferentes horas do dia”.
Por que isso é importante? A hora da administração de um medicamento pode influenciar tanto a forma como ele é absorvido, distribuído, metabolizado e eliminado pelo organismo (farmacocinética), quanto a intensidade e duração de seus efeitos (farmacodinâmica).
Outro ponto é a otimização do tratamento: ao considerar os ritmos biológicos, é possível ajustar a administração de medicamentos para maximizar seus benefícios e minimizar os efeitos adversos.
Perturbações e desalinhamentos nos nossos ritmos diários devido às mudanças nos estilos de vida na sociedade moderna, padrões irregulares de sono e de trabalho, e até mesmo jet lags frequentes podem afetar negativamente a nossa saúde e levar a diferentes doenças e distúrbios crônicos.
Exemplos de aplicações da cronofarmacologia:
Doenças crônicas: Em doenças como hipertensão e asma, a administração de medicamentos em horários específicos pode melhorar o controle da doença e reduzir a necessidade de doses mais altas. Por exemplo, pacientes com hipertensão arterial frequentemente respondem de forma diferente a medicamentos anti-hipertensivos dependendo da hora do dia em que a dose é administrada. Durante o sono, ocorre uma diminuição na atividade do sistema nervoso nervoso e um aumento na atividade do sistema parassimpático, o que provoca uma redução da pressão arterial. Esse parece é chamado de "dipping" noturno. Normalmente, a pressão arterial cai entre 10% e 20% durante a noite, em relação aos valores registrados durante o dia. Portanto, essa abordagem pode otimizar o tratamento, garantindo que o medicamento atue no momento em que o corpo mais necessita, enquanto evita interferências desnecessárias nos ritmos fisiológicos normais.
Câncer: A cronoterapia, um ramo da cronofarmacologia, investiga a melhor hora para administrar quimioterápicos, visando aumentar sua eficácia e diminuir a toxicidade para células saudáveis. Estudos indicam que as células cancerígenas podem se dividir mais rapidamente em determinados momentos do dia, tornando a cronoterapia oncológica uma ferramenta potencial para melhorar a resposta ao tratamento. Ao considerar o ciclo de divisão celular e o ritmo circadiano do paciente, os oncologistas podem escolher horários ideais para administrar a quimioterapia, reduzindo os danos às células saudáveis e aumentando a toxicidade seletiva às células tumorais.
Distúrbios do sono: Medicamentos para insônia podem ser mais eficazes quando administrados em horários específicos, de acordo com o ciclo sono-vigília.
Cronofarmacologia: Personalizando Tratamentos com os Ritmos Biológicos
Assim, a cronofarmacologia busca personalizar o tratamento farmacológico, levando em consideração os ritmos biológicos individuais de cada paciente. Essa abordagem tem o potencial de melhorar a eficácia dos medicamentos, reduzir os efeitos colaterais e otimizar os resultados terapêuticos.
A individualização da terapia em pacientes específicos é baseada na consideração pelo médico prescritor em parâmetros como idade, sexo e condições fisiopatológicas individuais (existência de doenças concomitantes) para antecipar o potencial aparecimento de interações medicamentosas, resultantes da administração de vários medicamentos simultaneamente. A individualização da farmacoterapia também envolve o monitoramento dos níveis sanguíneos do medicamento.
A tecnologia tem sido uma aliada fundamental nessa jornada. Dispositivos vestíveis e biomarcadores permitem monitorar os ritmos biológicos em tempo real, fornecendo dados precisos para ajustar os tratamentos. Essa individualização da terapia, baseada na cronofarmacologia, promete otimizar os resultados e minimizar os efeitos colaterais dos medicamentos.
Conclusão:
A cronofarmacologia oferece uma abordagem promissora para melhorar a eficácia dos tratamentos médicos, especialmente em condições crônicas e complexas. Ao levar em consideração os ritmos biológicos e as características individuais dos pacientes, essa ciência pode otimizar a farmacoterapia, reduzindo os efeitos adversos e potencializando os benefícios terapêuticos. Com o aprofundamento das pesquisas e o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, a cronofarmacologia pode se tornar um pilar central na prática médica personalizada.
ESCRITO POR: Larissa Gaspar, aluna do 10º período (Faculdade de Farmácia, UFRJ)
Referências:
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