O cigarro eletrônico moderno (Figura 1) foi criado por Hon Lik, um farmacêutico Chinês em 2003, logo depois de seu pai ter falecido por complicações relacionadas a um câncer de pulmão, que foi resultado de anos de fumo. Como nova alternativa ao cigarro normal, o cigarro eletrônico tem a mesma função do adesivo ou pastilha de nicotina, sendo uma solução transitória para facilitar o tratamento para vício em nicotina [1] .
Figura 1: Pessoa fumando um cigarro eletrônico. Fonte: Rádio Cidade. https://radiocidadeibiruba.com.br/fm/um-dispositivo-eletronico-nunca-fez-tao-mal-a-saude-veja-os-danos-no-organismo-causados-pelos-cigarros-eletronicos/ Acesso 29/03/2021
Assim, ao diminuir a quantidade de nicotina no cigarro eletrônico, o fumante poderia se acostumar gradualmente a viver sem seu consumo. Porém, ao invés de diminuir o consumo de nicotina, o maior efeito que cigarros eletrônicos tiveram foi o de substituir o cigarro normal e virar a principal fonte de nicotina para as novas gerações [2].
Nos últimos anos tem havido uma queda do consumo de cigarros no Brasil e no mundo; só no Brasil o número de fumantes caiu em 35% de 2006 a 2017 [3] mas o número de fumantes de cigarros eletrônicos têm aumentado, de menos de 10 milhões em 2011 até mais de 40 milhões no começo de 2018 no mundo todo [4]. Isto indica que ao invés de ser uma solução para o problema mundial para o vício da nicotina, ele criou apenas uma alternativa que pode ser igualmente nociva.
A lei das consequências involuntárias e suas ligações com os cigarros eletrônicos
A lei das consequências involuntárias é um princípio usado muito na economia, que explica situações em que as soluções para um aparente problema, também criam outro problema similar. Assim, nessas situações o problema antigo foi apenas substituído por um novo que pode ou não ter a mesma magnitude e consequências que o primeiro [5].
Pode-se concluir então que, há uma consequência involuntária ao buscar uma alternativa no tratamento do vício em cigarros. No caso da criação dos cigarros eletrônicos, abriu-se um precedente para o vício ser apenas alternado para esse novo meio de obtenção da nicotina.
Como funciona o cigarro eletrônico moderno?
Os cigarros eletrônicos têm vários modelos, mas todos eles têm os mesmos tipos de componentes [6]:
1- Cartucho de nicotina líquida: Nessa porção é inserido um cartucho que irá conter uma mistura à base d’água que contém nicotina e aromatizadores. Não existe um limite para a porcentagem de nicotina presente em cada cartucho, a recomendação é de 6 à 24 mg, mas podem ser encontrados cartuchos com mais de 100 mg.
2- Aromatizador: Nessa porção o líquido é preparado para se transformar em vapor.
3- Sensor e Microprocessador: Nessa porção o líquido vira o vapor, pronto para ser inalado.
4- Bateria e Lâmpada de Led: Nessa porção fica a bateria recarregável e a lâmpada que indica quando e se o cigarro está em funcionamento.
A Figura 2 ilustra a estrutura do cigarro eletrônico e do cigarro comum:
Figura 2: Demonstração visual das diferenças do cigarro comum e eletrônico. Fonte: G1. https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/05/31/cigarros-eletronico-e-tradicional-tem-em-comum-os-riscos-da-nicotina-entenda-perigos-de-cada-um.ghtml Acesso: 29/03/2021
O que o cigarro eletrônico pode causar?
A nicotina é o principal componente viciante em produtos de tabaco; assim, também existe o risco de dependência de cigarros eletrônicos. As concentrações de nicotina listadas nos rótulos dos cigarros eletrônicos são frequentemente imprecisas.
Líquidos e vapores de cigarros eletrônicos também mostraram conter substâncias tóxicas, incluindo metais pesados (por exemplo, cromo, chumbo, arsênico), compostos orgânicos voláteis e nitrosaminas específicas do tabaco, embora em concentrações mais baixas do que os cigarros comuns. [7]
Figura 3: Imagem simbolizando os efeitos semelhantes do cigarro comum e eletrônico. Fonte: Veja Saúde. https://saude.abril.com.br/medicina/cigarro-eletronico-faz-menos-mal-para-a-saude-que-o-comum/ Acesso: 30/03/2021
Quais são os potenciais riscos do uso do cigarro eletrônico?
Os efeitos do cigarro eletrônico ainda estão sendo estudados, principalmente porque eles ainda não existem a tanto tempo, mas sabe-se que ele pode causar [8-9]:
Vício em nicotina.
Dores abdominais e de cabeça.
Visão turva.
Irritação e inflamação em todo o trato respiratório.
Náusea e vômito.
Tosse seca frequente.
Insônia.
Problemas na fertilidade masculina.
Agravamento de casos de asma.
Risco de câncer de pulmão.
Contra-indicações: o uso de cigarros eletrônicos é contraindicado para pessoas grávidas, jovens com menos de 25 anos e pessoas que possuam qualquer enfermidade no trato respiratório [6].
Covid-19: Durante a pandemia do vírus Sars-cov-2, devido ao fato de ser um vírus respiratório que ataca o pulmão, um dos grupos que mais sofreu com a infecção foram os fumantes. No caso dos usuários de cigarros eletrônicos, eles foram os fumantes mais sensíveis a essa infecção.
Os danos causados pela inalação de vapor para os pulmões criaram uma área que possibilitou a proliferação e agravação do vírus no pulmão [10].
Os cigarros eletrônicos auxiliam a parar o hábito de fumar cigarros comuns?
Pesquisas sobre a efetividade dos cigarros eletrônicos no tratamento do vício em cigarros comuns ainda são pouco precisas, principalmente porque os cigarros eletrônicos não existem a tempo suficiente para realizar uma análise completa [11]. Porém, com os dados disponíveis atualmente, pode-se inferir que o cigarro eletrônico tem substituído o cigarro comum atualmente. No decorrer dos anos houve uma diminuição significativa do consumo de cigarros comuns e aumento paralelo no consumo de cartuchos de cigarros eletrônicos [12].
Portanto, é pertinente a discussão se essa substituição é prejudicial ou não para a saúde do fumante, pois o cigarro eletrônico não possui muitos dos compostos carcinogênicos presentes no cigarro comum; possui apenas a nicotina em comum [13]. Por outro lado, a solução presente nos cartuchos de nicotina usados nos cigarros eletrônicos possui na sua maioria compostos usados apenas na indústria alimentícia, não sendo prejudiciais à saúde a curto prazo; entretanto não se conhece seus efeitos a longo prazo [2].
Os cigarros eletrônicos e os adolescentes
A nicotina pode ter um impacto prejudicial no desenvolvimento do cérebro na juventude, e os cigarros eletrônicos podem atuar como uma porta de entrada para o uso do cigarro ou da maconha. Os jovens também são suscetíveis ao vício da nicotina.
O consumo de cigarros eletrônicos entre adolescentes é preocupante, porém, devido a menor quantidade de compostos carcinogênicos que o cigarro comum, ele é promovido como uma versão menos perigosa que o comum [12]. Essa falsa ideia de segurança atingiu principalmente os adolescentes e jovens adultos, abrindo um precedente para aumentar o consumo entre jovens, especialmente o de cartuchos com altas doses de nicotina [14].
Embora os cigarros eletrônicos não contenham tabaco cancerígeno, a maioria contém nicotina, o que não só leva ao vício, mas também pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro e a função cognitiva na juventude. Estudos recentes também mostraram que adolescentes que usam cigarros eletrônicos têm maior probabilidade de começar a fumar cigarros de tabaco. Portanto, é essencial que os adolescentes conheçam os riscos e preocupações com a saúde que os cigarros eletrônicos podem causar, e implementar medidas para prevenir ou cessar o uso de cigarros eletrônicos.
CONCLUSÃO:
Os cigarros eletrônicos foram rapidamente promovidos como alternativa ao cigarro convencional, embora seu uso seja altamente controverso. Apesar da crença que se trata de um produto para diminuir ou parar de fumar, que são seguros e menos viciantes, seu uso é inseguro e perigoso para a saúde humana. O tabagismo eletrônico deveria ser regulamentado da mesma forma que os cigarros tradicionais e ser proibido para crianças e adolescentes.
-Felipe Heck, Graduando em farmácia.
Referências
[1] Demick, B. (2009). “A high-tech approach to getting a nicotine fix”. Los Angeles Times. Atualizado em 25/04/2009. Acesso em 27/03/2021
[2] Russell, C., Katsampouris, E., & Mckeganey, N. (2020). Harm and addiction perceptions of the JUUL e-cigarette among adolescents. Nicotine and Tobacco Research, 22(5), 713-721.
[3] Indio, C. (2019) “Brasil teve queda significativa no número de fumantes, diz sercetária”. Agência Brasil. Acesso 29/03/2021
[4] Jones, L. (2019). “Vaping: How popular are e-cigarettes?” BBC News. Atualizado em 15/09/2019. Acesso 29/03/2021
[5] Pollay, R. W. (1986). The distorted mirror: Reflections on the unintended consequences of advertising. Journal of marketing, 50(2), 18-36.
[6] Chevallier, C., Batisse, A., Marillier, M., & Djezzar, S. (2016). E-cigarettes and tobacco cessation: An online survey of electronic cigarette users in France. European Psychiatry, 33(S1), S293-S294. doi:10.1016/j.eurpsy.2016.01.998
[7] Klein, M. D., Sokol, N. A., & Stroud, L. R. (2019). Electronic Cigarettes: Common Questions and Answers. American family physician, 100(4), 227
[8] Junqueira, D., Zhou, K., Couperthwaite, S., Meyer, J., & Rowe, B. (2020). P078: Impact of vaping on lung health and visits to the emergency department: A cross-sectional study. CJEM, 22(S1), S92-S92. doi:10.1017/cem.2020.284
[9] Meo, S. A., & Al Asiri, S. A. (2014). Effects of electronic cigarette smoking on human health. Eur Rev Med Pharmacol Sci, 18(21), 3315-3319.
[10] Patel, V. N., Rouse, M., Brown, C., & Pandya, S. (2020). Ground Glass Opacities Observed in a 26-Year-Old Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Rule-Out Patient With a History of Vape Use. Cureus, 12(9)
[11] Polosa, R., Caponnetto, P., Cibella, F., & Le-Houezec, J. (2015). Quit and smoking reduction rates in vape shop consumers: a prospective 12-month survey. International journal of environmental research and public health, 12(4), 3428-3438.
[12] Dobbs, P. D., Hodges, E. J., Dunlap, C. M., & Cheney, M. K. (2020). Addiction vs. dependence: A mixed methods analysis of young adult JUUL users. Addictive behaviors, 107, 106402
[13] Klein, M. D., Sokol, N. A., & Stroud, L. R. (2019). Electronic Cigarettes: Common Questions and Answers. American family physician, 100(4), 227.
[14] Walley, S. C., Wilson, K. M., Winickoff, J. P., & Groner, J. (2019). A public health crisis: electronic cigarettes, vape, and JUUL. Pediatrics, 143(6).
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